8 de março
Mês de março e a coisa se desenrola como sempre, felicitações, reclamações, distribuição de rosas e, talvez, pouca reflexão sobre a importância da data do dia 8. Na ótica de um cidadão qualquer, eventualmente subempregado, supomos que um motorista de carro que preste serviço para aplicativos a coisa pode ter se desenrolado de qualquer maneira entre o pior e o melhor, mas no sofrimento e nas vitórias que esse dia traz a maior certeza é a reflexão.
Poucas passageiras contam a sua história, seja seus problemas ou o que estão indo fazer (ou voltando depois de ter feito), as viagens muitas vezes se resumem a um “bom dia/tarde/noite” acompanhado de um protocolar “Como vai?” muitas vezes respondido rispidamente por exacerbar a convenção de mínima comunicação, mas o 8 de março é uma data sui generis e e talvez torne as pessoas um pouco mais abertas a puxar conversa (motorista jamais puxa conversa).
A partir daqui o descrito segue em primeira pessoa para deixar mais claro a história real de cada situação.
Eis que após uma primeira passageira silenciosa aparece nova chamada e, de cara, a passageira pergunta via mensagem se já estou na porta, aviso que acabei de chegar e ela responde que vai descer, algo estranho, normalmente os passageiros estão à porta ou, se atrasados, não avisam e deixam esperando mesmo. Passageira no carro e após 5 minutos de corrida a moça fala que foi assaltada em pleno dia internacional das mulheres, não me cabe muito senão lamentar, dizer que a criminalidade está terrível e aproveito para ensinar a bloquear o aparelho celular de todas as formas possíveis. Passageira desembarca num shopping pra resolver bloqueio na loja da operadora e transtornada por não poder comprar agora outro aparelho celular. Infelizmente foi 1x0 para o destino ingrato.
Corrida vai, corrida vem, mais passageiros calados e eis que entra uma outra passageira, bem transtornada, depois de algum tempo desabafa que o irmão, com quem trabalhava, a destratou e ela preferiu ir pra casa. Isso obviamente a desestabilizou emocionalmente. Foi longa a conversa passando por vários assuntos até a deixar em casa, o motorista as vezes tenta ser psicólogo, ou amigo por 15 minutos, mas não há o que tire a dor da agressão, nem comentamos do dia 8 de março, talvez ela nem lembrasse, eu preferi não lembrar, talvez a machucasse um pouco mais. Viagem finalizada, motorista triste com as histórias e 2x0 pro destino ingrato.
Já na corrida seguinte, 4km até o ponto de embarque (o prejuízo estava a vista) e mais uma passageira com 2 filhos, essa contou logo sua história, dessa vez uma boa história, por 6 meses ela peregrinou num certo plano de saúde por um laudo confirmando o autismo do filho, o plano sempre negou (pois obviamente dar um laudo do tipo aumenta o dispêndio com o segurado e planos de saúde tem compromisso prioritário em gerar lucro individualmente por paciente), plano cancelado e tratamento via SUS, laudo em poucos meses, tratamento assegurado e a possibilidade de dar o melhor para o filho que sofria sem tratamento. A corrida deu um percentual baixíssimo de lucro bruto, me deixou em área sem chamada por um bom tempo, mas, ao menos, o destino ingrato tomou um revés, mas ainda vencendo por 2x1.
Mais corridas, gente educada, gente que bate porta descontando as desgraças da vida (só isso justifica tanta força) e no fim do turno aparece uma moça muito educada indo para um bar conhecido, essa contou sua história, mãe recente, saia de casa pela primeira vez sem o bebê, após quase 6 meses, ela estava radiante pois iria ter uma ou duas horas com um pouco menos de 100% da atenção pro rebento. Dá pra botar na conta e o destino ingrato deixou empatar o jogo.
Na minha cabeça as boas histórias se repetiram mais que as más, mas talvez realidade não pense assim.
A reflexão, e que só educação, ação social e segurança pública vão impedir que a primeira mulher seja assaltada num 8 de março, e que a segunda não seja agredida verbalmente a ponto de ficar completamente desestabilizada nesta mesma data, e que uma mãe não precise peregrinar por meses para conseguir dar o melhor tratamento para o seu filho para, só a partir daí, poder começar a dar-lhe o devido cuidado, e nem uma mãe terá que esperar 6 meses para poder descansar do imenso trabalho que é trazer uma vida ao mundo.
Cumprimentar quem entra e sai é uma obrigação do serviço, desejar o melhor pra cada pessoa em cada situação dali pra frente pode não ajudar muito, mas ao menos mostra que suas histórias foram ouvidas e compreendidas, e que pude aprender um pouco com cada uma.
Feliz 8 de março, sigam na luta,
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